20 de junho de 2010

Sr. G., acho, vem balbuciando algo do tipo:

Augusto. Era assim que Tio Mauro chamava a verruga enraizada em suas costas. Ele tinha um jardim de verrugas nas banhas, mas só ela lhe atazanava a vida: era uma verruga imensa e ramificada e, ele nos contava já quase naufragado no meio fio, muito da coceirenta.

Tio Mauro era um grande cara, amigo de todos. Passava as tardes no Babilônia e perto da noite se esparramava de bêbado, se esparramava de bêbado e dormia esparramado na calçada, se esparramava de bêbado e dormia esparramado na calçada com a cabeça pendendo na rua. E a gente brindava o costume. Tio Mauro não acordava de jeito maneira: os moleques chutavam sua barriga e ele roncava mais alto e todos ali no bar caíamos na gargalhada.

Tio Mauro era grande e gordo, como as pombas da praça que ele tanto teimava em alimentar. Tio Mauro sequestrava as pombas mais parrudas e levava para sua casa, para o quintal ao fundo de sua casa, para o poleiro no quintal ao fundo de sua casa (acho que era por isso que fedia tanto). Tia Ruth não se importava com as manias do marido e era sempre muito alegre e risonha e Tio Mauro a tratava muito bem (Tia Ruth às vezes ensaiava uma discussão séria, mas era Tio Mauro bater na barriga com suas duas mãos carnosas, abrir um sorriso por entre o enorme bigode e dizer com sua voz roliça: Minha Pombinha! e ela fechava as asas e lhe dava uma tentativa de abraço: Tia Ruth era mirrada e suas mãos quase nem chegavam no começo da barriga de Tio Mauro).

Tio Mauro, toda quinta, fazia churrasco em sua casa e todo mundo ia. A casa era pequena e as pessoas se amontoavam umas sobre as outras. Todos bebíamos muito e esperávamos ansiosos a carne sair da brasa. As pessoas desconfiavam da carne mas ninguém perguntava, porque Tio Mauro era muito, muito gentil e nunca cobrava nada e todo mundo era sempre convidado. O Manuel, numa dessas quintas, disse que Tio Mauro nunca tinha comprado carne lá. Ai não teve jeito, a discussão correu solta e quase se transformou numa algazarra daquelas: John se esqueceu dos bons modos e só não arrancou o turbante de seu Mohamed a pontapés porque Tio Mauro abriu a porta bem na hora e, descortinando seu sorriso gordo e gostoso, anunciou: Vamo minha gente que a carne não vem voando pra cá. E a gente foi, como antes e como depois, porque a gente sempre ia. Até o Frido ia (Frido sempre falava que não estava servido, que tinha acabado de sair do restaurante, onde, por acaso, justo hoje, comeu as sobras da janta. Mas era sentir o cheiro da carne e ver Valentina, a afilhada de Seu Venceslau, se empoleirar entre os ombros dos homens pra se servir do espeto, que Frido corria a servi-la e a galantear promessas de um almoço exclusivo para O Honorabilissíssimo Señor Venceslau de Costa y Silva E Sua Mui Graciosa Apadrinada).

Tio Mauro, pelo que contam, só tinha intrigas com Madalena. Madalena, a Cigana. Era quase etérea, quase bruxa. Nunca sabíamos por onde andava porque seus pés, parecia, sugavam para si as pegadas: ela se desvelava como se não tivesse surgido e trazia os segredos presos em sua língua felina: ela adivinhava as perguntas em nosso íntimo e nos dava as respostas. Madalena gostava muito de pombas e vivia com elas no corpo. Via Tio Mauro na praça e saía gritando. Era então que Tio Mauro desarmava o imenso sorriso e ia pro Babilônia, arrastando os pesarrões pelo chão e cutucando Augusto, a fim de nos encontrar para a jogatina.

Tio Mauro quem ensinou os Botelhos a arte do dominó: João vivia carregando suas peças no branco dos olhos e por isso perdia sempre, Márcio tinha as mangas por demais curtas e por isso era sempre pego e chutado pra fora do Babilônia; dizem que a cicatriz que lhe atravessa o olho direito é sequela de uma das suas tentativas frustradas: dizem, e eu seria capaz de assumir a autoria, que Seu Abraão, na época já muito, muito velho (eu achava que Seu Abraão era o homem mais velho de nossa terra; que já nasceu velho e cheio de rugas porque no seu barraco –ele mora num barraco a cinco quadras do poleiro de Tio Mauro- as fotos são todas desbotadas. Ele foi sempre velho e por isso todos lhe tratavam com respeito e por isso ninguém lhe ouvia repetir e repetir a mesma história de quando, ainda moço, foi amigo do imperador e sabia) que Seu Abraão, na época já muito, muito velho, levantou-se da mesa e destruiu o copo de “pinga” no rosto de Márcio (a gente servia água dizendo que era pinga porque Seu Abraão era muito, muito doente e já não sentia nada).

Tio Mauro, sim, enchia a lata. Um dia se esparramou na calçada e os moleques chutaram sua barriga e ninguém ouviu seu ronco alto.

Augusto nunca mais lhe tirou do sossego.

2 comentários:

Yane Santiago disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Yane Santiago disse...

Tenho uma pinta no ombro esquerdo. Chama-se Nina.

ass: Sr. Y.